quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A carne que comemos (parte III)

Processo errado, contaminação certa

Municípios que não possuem veterinários carimbam as carnes com o selo de inspeção legalizando o que é ilegal.
 Imagem: Teresa Maia/DP/D.A Press


“Para que um matadouro funcione é preciso que ele seja sustentado por três pontos: consumidor, higiene e inspeção sanitária.” A frase é de Paulo Foerster, médico veterinário e membro da comissão de inspeção e tecnologia da carne, parceira do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). O que se vê na prática, no entanto, é que a higiene passa longe da imensa maioria dos matadouros do interior do estado e que a inspeção sanitária só existe no papel.

É difícil conceber a ideia de que a falta de abastecimento d’ água não seja um impedimento à realização dos abates bovinos em muitos municípios pernambucanos. Cada boi abatido jorra em média 9 litros de sangue que se espalham na sala da matança, já que muitos matadouros não possuem as canaletas de sangria para captação. Pior, a inexistência da área de vômito e a exposição do conteúdo intestinal dos animais, sem a água para fazer a limpeza, tornam o ambiente impróprio para qualquer tipo de atividade, principalmente a alimentar.

De acordo com a Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro), são exigidos de 600 a 6 mil litros de água por cabeça de boi. Para compensar a falta e não deixar a matança parar, algumas prefeituras compram caminhões pipa, outras improvisam guardando água em reservatórios de PVC, galões reaproveitados de tinta e baldes. Esse cenário foi visto em cinco das sete cidades que o Diario visitou: Limoeiro, Nazaré da Mata, Bonito, Arcoverde e Pesqueira. Nesta última, ao encontrar blocos de fungos na água armazenada, ouvimos de um funcionário, na tentativa de tranquilizar os visitantes, que a água não era usada para lavar as carnes, “só o ambiente”.

Em quase todo o estado, o instrumento do abate utilizado é a marreta, descumprindo a instrução normativa nº3/2000 do Ministério de Agricultura que proíbe “qualquer ato ou uso de instrumentos agressivos a integridade físicados animais”. Para o abate humanitário, é exigido o uso da pistola pneumática que deixa o boi inconsciente permitindo que seja abatido sem a sensação dedor. No entanto, como o custo da pistola é considerado alto (de R$ 3 a 5 mil) apenas os abatedouros de Paudalho, Paulista e São Lourenço da Mata possuem. Nazaré da Mata fez a compra da pistola e da vestimenta adequada para os funcionários recentemente, depois que a reportagem visitou o local.

A ausência de veterinários nos dias de matança, em algumas cidades, também contribui com o aumento das irregularidades nos abatedouros. A presença desses profissionais é imprescindível, já que são responsáveis pela inspeção ante-mortem e post-mortem, ou seja, quando o animal chega aos currais e após o abate. “Os municípios que não possuem veterinários e botam nas carnes o carimbo de inspeção estão dando legalidade ao que é ilegal. Desconheço legislação municipal que trate da inspeção no abate, por isso a situação está desse jeito”, comentou Foerster, que há 10 anos realiza um levantamento sobre matadouros.

Continua...

DIARIODEPERNAMBUCO.COM.BR

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